Pegue seu óculos laranja, sua camisa xadrez e sua calça skinny colorida. Sente no sofá, poste uma foto da pipoca com chocolate que você preparou lá no seu feed e venha ler e ser transportado para uma época mais tranquila, mais serena, sem os perigos das redes de Elon Musk ou do Marquinho Zuqueta.

Vamos voltar 15 anos no passado pra relembrar um pouco.

O ano é 2010 e um certo Bruno, cantor famoso por ter escrito músicas para artistas como CeeLo Green (a Fuck You é de autoria dele), Flo Rida e Kesha, estava lançando seu primeiro álbum.

Um dos primeiros singles também era “The Lazy Song”, uma canção simples e efetiva, com uma melodia chiclete que invejaria os melhores criadores de jingles comerciais e com um estilo ácido e bem característico de sua época. Me lembro muito bem de quando o clipe da música bombou no YouTube: meus colegas de classe na oitava série só assistiam isso no intervalo, com seus iPhones 3Gs. Teve gente que no Halloween comprou máscaras de gorila e imitou a performance do vídeo. Foi um tremendo sucesso.

Antes de Lazy Song, o primeiro single do álbum de Mars tinha sido “Just The Way You Are” e de maneira estratosférica já tinha catapultado o cantor como uma das vozes principais da década que se iniciara. E com o impacto de “Lazy”, o fenômeno se tornou ainda maior. Bora lá ver como o tempo muda nossa perspectiva da cultura.

The Lazy Song – Analisando 15 anos depois

I’m gonna kick my feet up, then stare at the fan
Turn the TV on, throw my hand in my pants
Nobody’s gon’ tell me I can’t, nah

Aqui o narrador nos fala que vai colocar os pés pra cima e ficar encarando o ventilador – algo que hoje em dia ainda é comum porém muita gente já usa ar condicionado portátil ou o ar normal.

Depois, nos diz que vai ligar a TV (ok, hoje talvez falaria “vou botar na Netflix”) e vai se masturbar.

I’ll be loungin’ on the couch, just chillin’ in my Snuggie
Click to MTV, so they can teach me how to dougie
‘Cause in my castle, I’m the freakin’ man

Um Snuggie se refere a uma peça bem característica dos anos 2010. Veja:

Era uma coberta em que o indivíduo tinha espaço pra colocar os braços e que o cobria até o pescoço. Bem irreverente. Tire suas próprias conclusões.

Logo depois disso, vemos que o narrador quer assistir a MTV. Que pena. Assim como a gente, quase todos lá fora hoje já não podem mais ver clipes musicais na MTV, a suposta Music Television não passa mais nenhuma “music”. Em 2010 aqui no Brasil a MTV já estava iniciando uma de suas fases derradeiras, mas ainda tinhamos sim programas como o Top 10 MTV, aparentemente um programa parecido com o que Bruno estava assistindo na música.

“How to Dougie” se refere a uma dança popularizada por uma música lançada pelo Cali Swag District (um grande sucesso na MTV após seu lançamento em 2010).

Tomorrow, I’ll wake up, do some P90X
Meet a really nice girl, have some really nice sex
And she’s gonna scream out, “This is great” (Oh my God, this is great)

P90X é uma rotina de exercícios extremamente pesada que o narrador se recusa a fazer no dia descrito, ele prefere deixar para amanhã. Mas outro exercício pesado que ele quer sim fazer hoje é sexo. Eu lembro que essa parte algumas vezes era censurada nos rádios da época.

Foi de certa maneira uma polêmica e Mars tomou certa porrada da parte de críticos conservadores em 2010. Foi considerado um artista ácido e tomou selo de Restricted nas paradas norte-americanas.

Yeah, I might mess around and get my college degree
I bet my old man will be so proud of me
But sorry, pops, you’ll just have to wait

Ele fala que amanhã, talvez, quem sabe, irá até terminar sua graduação. Hoje em dia este assunto está em voga, muitos jovens não querem terminar sua faculdade e a largam no meio do semestre pra ir investir em ideias de startups. Bruno estava a frente de seu tempo com certeza. Pais de todo o mundo estão esperando até hoje.

Oh, today, I don’t feel like doin’ anything
I just wanna lay in my bed
Don’t feel like pickin’ up my phone
So leave a message at the tone
‘Cause today, I swear, I’m not doin’ anything

[Post-Chorus]
Nothin’ at all
Woo-hoo, woo-hoo, ooh
Nothin’ at all
Woo-hoo, woo-hoo, ooh
Nothin’ at all

E basicamente é isso. A letra é surpreendentemente curta mas com algum bom conteúdo. É maior do que muito funk e trap hoje em dia mas menor e bem menos abrangente do que as canções de Billy Joel ou Paul Simon (a minha próxima análise queria muito que fosse de You Can Call Me All, ou como eu sempre digo Vem Cá Miau).

Enfim, foi até que meio fascinante voltar no tempo e relembrar quando primeiro ouvi essa música do Bruninho. Antes de ser brasileiro honorário ele com certeza já era cheio das malandragens.

Quinze anos depois, “The Lazy Song” permanece como registro de uma era pré-redes sociais obrigatórias, quando a inatividade podia ser celebrada sem culpa.

A canção, apesar de sua aparente simplicidade, captura um momento específico da cultura pop americana – e global.

Em tempos de produtividade tóxica, talvez seja hora de revisitar a sabedoria simples de Bruno Mars: às vezes, não fazer absolutamente nada é exatamente o que precisamos.