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Coluna

A morte da ESPN Brasil (2.0) + a volta de Rich Eisen

Rich Eisen, famoso âncora do SportsCenter da ESPN nos anos 90 até 2003, recentemente retornou ao posto do maior programa esportivo de todos os tempos. Foi há duas semanas atrás, quando ao vivo na ESPN ele emulou novamente os jargões noventistas da televisão: os grafismos destoantes da geração Nirvana, a trilha jazz estilo Cowboy Bebop, o carisma que só se vê em 1 de 1 milhão e aquele sentimento de que o âncora que estou acompanhando dia após dia no meu aparalho televisor é meu amigo e tá ali pra me ajudar a conhecer qualquer regra, nuance ou contexto dos esportes apresentados. Mais que isso, é aquele feeling que o apresentador é um curador, um expert, que está ali pra educar de forma divertida.

Eisen é um perito nesse estilo de TV. Tanto que fez o maior sucesso em sua volta a ESPN (já que a Disney comprou seu programa do YouTube, comprou a NFL Network, onde Rich apresentava vários programas e trouxe o apresentador de volta – em uma época dominada pelo streaming onde o carisma é moeda cara). O SportsCenter de Eisen foi a maior audiência da ESPN desde 2019.

Ah que saudade desse tipo de programa, que fazia companhia e que promovia indagações e discussões que incrementavam nosso conhecimento.

***

Aqui no Brasil, tivemos algo parecido com o elenco de apresentadores da primeira ESPN. Trajano, Kfouri, Amigão, Greco, Canalha, PVC e etc. Não exatamente faziam aquela ESPN engomada, com terno e gravata, mas faziam o mesmo estilo de Rich Eisen: curadores extremamente cultos que destrinchavam os lances da rodada.

Por que isso acabou? E será que não é isso que a TV, agora que está migrando pro streaming como algo conjunto, realmente precisa pra ajuntar uma audiência diária fiel?

O primeiro e mais óbvio culpado é a fragmentação da audiência. Nos anos 90 e início dos 2000, quando Rich Eisen dominava o SportsCenter e nossa ESPN brasileira construía seu elenco cult, existiam poucos canais especializados e a audiência se concentrava naturalmente. Era mais fácil criar aquela sensação de “encontro diário” quando milhões de pessoas literalmente não tinham para onde ir além dali. O apresentador virava amigo porque era, de fato, uma das poucas vozes especializadas disponíveis.

Com a explosão dos canais segmentados e, posteriormente, da internet, essa audiência cativa se pulverizou. De repente, cada nicho esportivo ganhou seu próprio canal, podcast ou influenciador no YouTube. Por que ouvir análises gerais quando pode acompanhar aquele podcaster que só fala do seu time?

Mas talvez o fator mais decisivo tenha sido a mudança na velocidade da informação. O modelo Eisen/Trajano/Kfouri funcionava numa era em que as pessoas chegavam em casa querendo saber o que aconteceu. O apresentador era literalmente um filtro necessário entre os eventos e o público. Hoje, quem se interessa por esporte já viu os lances no Twitter, já leu as manchetes, já formou uma opinião preliminar antes mesmo de ligar a TV.

Isso forçou uma mudança de função: em vez de informar, os programas esportivos passaram a precisar entreter e provocar. Nasceu a era dos debates inflamados, das opiniões polêmicas, do “hot take” – aquela opinião deliberadamente controversa desenhada para gerar engajamento. O curador sábio e didático foi substituído pelo polemista que grita mais alto.

Economicamente, fazia sentido. É mais barato contratar alguém para dar opinião do que manter um elenco de especialistas cultos. É mais fácil medir engajamento através de discussões nas redes sociais do que através da satisfação sutil de quem aprendeu algo novo. O algoritmo recompensa o conflito, não a educação.

A própria mudança geracional pesou. A geração que cresceu com Rich Eisen esperava ser educada pela TV; as gerações seguintes cresceram educando-se sozinhas na internet. Mudou a expectativa do que um apresentador deveria oferecer.

Mas aqui está o twist interessante: justamente porque esse modelo virou commodity, a volta do curador especializado pode ser o diferencial que o streaming precisa. Num mar infinito de opiniões rasas e hot takes, o cara que realmente entende e consegue explicar com carisma vira ouro. É exatamente o que aconteceu com o retorno de Rich Eisen – numa era saturada de ruído, a expertise verdadeira voltou a ser escassa.

O streaming, diferentemente da TV tradicional, permite nichos rentáveis. Você não precisa de audiência massiva para sustentar um programa; precisa de audiência fiel e engajada. E nada cria fidelidade como aquela sensação de “estou aprendendo algo valioso com alguém que realmente sabe”.

Talvez estejamos no ponto de inflexão onde a nostalgia encontra a necessidade real. O público está cansado de barulho e com sede de substância. E os apresentadores que conseguirem recriar aquela intimidade educativa dos anos 90 – adaptada para as novas plataformas – podem descobrir que há uma audiência enorme esperando por eles.

A pergunta não é se esse modelo vai voltar, mas quem vai ter a coragem de apostar nele primeiro.

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